A Europa foi Hitler e Mussolini. E o Brasil?

  • 26 de setembro de 2018
transparência no Brasil

Muitos livros têm o péssimo hábito de nominar, elogiar ou responsabilizar uma única pessoa por acontecimentos históricos, mesmo quando eles são praticados coletivamente ou por meio de um emaranhado de infindáveis atos e múltiplas ações. É como se toda a complexidade da vida em sociedade pudesse ser definida por uma só pena escritora, independentemente da criação coletiva que inspira, motiva, ensina ou colabora com o artista eleito condutor da narrativa anotada. Assim, apontam Hitler e Mussolini como escritores exclusivos das páginas mais violentas, genocidas, intolerantes, racistas e obscuras da história contemporânea.

Esses personagens são registrados no “túnel do tempo” como desprezíveis espécimes que impuseram o nazifascismo no dicionário político internacional. Indica-se que eles, por exclusivos predicados individuais, conquistaram o cobiçado “Cinturão do Terror”, especialmente por terem promovido, em suas respectivas categorias, o extermínio, o assassinato, a perseguição, a intolerância e a propaganda da supremacia racial à milhões de judeus, comunistas, trabalhadores, religiosos, negros, gays e opositores às suas ideias. Além de terem patrocinado a Segunda Guerra Mundial.

A pessoalidade pela conquista do repugnante título, entretanto, não encontra amparo na leitura mais aprofundada dessas mesmas páginas. No mundo coletivizado alemão e italiano, Hitler e Mussolini conquistaram aliados, reuniram conluiados dos mesmos pensamentos, arrebanharam ódios comuns, arremataram a paixão de milhões e milhões de eleitores, motivando-os a também entrarem no ringue do desprezo à pessoa humana tida como diferente.

Esses cúmplices, não raro, transformaram os seus punhos e garras sem qualquer pudor ou remorso, em armas postas à disposição dos ditadores que tanto amavam. E amavam porque também professavam os mesmos quereres, os ódios propagandeados e a supremacia racial declamada em versos e prosas.

O Brasil, repentinamente, como no prelúdio da tragédia europeia, se vê inundado por mensagens de ódio, machismo, racismo, homofobia, misoginia, preconceitos regionais e toda forma de intolerância para com aqueles ou aquelas que consideramos “diferentes”. Inimigos imaginários são criados e mentiras são repetidas como verdades, fazendo ruborizar até mesmo Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista.

Essas mensagens são criadas ou repassadas por vários moralistas assumidos, religiosos ativistas, pessoas comuns tidas de bem, membros de famílias respeitáveis, parte da classe trabalhadora e desempregados, fardados e não fardados, profissionais que integram a advocacia, medicina, engenharia, economia e diversos outros ramos, enfim, grande parcela da população brasileira. Não raro, a essas mensagens são acrescidos comentários pessoais, concordantes ou até estimuladores de mais ódio.

Hoje, o povo alemão reconhece que Hitler não implantou o nazismo sozinho, assim como os italianos compreendem que Mussolini não espalhou o fascismo pelo mundo comandando um exército em que era simultaneamente o único oficial-soldado. Sabem que todos eles foram eleitos, apoiados e estimulados pela maioria dos homens e mulheres de seus países. Aceitam que, embora os livros, diplomaticamente, escrevam sobre a culpabilidade dos dois vilões pelos graves crimes cometidos contra a humanidade, o nazismo e o fascismo não teriam prosperado se não tivessem habitado os corações de milhões e milhões de congregados nazifascistas. Conhecem, sabem, compreendem, aceitam e lutam para que a tragédia humanitária nunca mais se repita.

Agora o que nazismo e o fascismo voltam a bater em suas portas, os europeus os têm enfrentado, relembrando o holocausto, denunciando os saudosistas e não hesitando em promover frentes de resistência democráticas. Eles não mais aceitam a teoria da “delegação da responsabilidade pelo crime” ao líder autoritário e dizem, sem pestanejar, que os novos nazifascistas são e serão responsáveis pelos atos praticados pelo “escolhido”. Não querem mais sofrer, em consequência da permissividade ou omissão, qualquer complexo ou sentimento de culpa por terem escolhido mal.

Tampouco querem ser outra vez lembrados por terem apoiado ou concordado com o governante enquanto a “prosperidade” sorria para cada um deles, mesmo quando sabiam ou suspeitavam de que outros morriam, sofriam ou eram agredidos para que fossem “felizes”.

E o Brasil?

Artigo originalmente publicado em: https://congressoemfoco.uol.com.br/

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