Gosto de contar a bela, corajosa e impactante história da luta pela Fafen, quando os trabalhadores e trabalhadoras filiados ao Sindiquímica/SE ensinaram a importância da coerência ideológica na defesa de um ideal. Eu a contei em recente livro que publiquei pela editora RTM, sob o título “Fiz-me advogado na luta”.
Os fatos narrados ganham relevância diante da carta divulgada pelo governador Jackson Barreto, reproduzindo uma deselegante ligação telefônica de Pedro Parente, em que, resumidamente, o presidente da Petrobrás o comunicara da decisão de fechar a unidade fabril sergipana, exatamente como pretendera fazer na época em que era chefiado por Fernando Henrique Cardoso. A grave ameaça voltava, assim, a assombrar Sergipe, fertilizando o nosso receio de perder, mais uma vez, um pedaço da nossa sobrevivência econômica.
A história aqui contada teve início quando uma ação judicial que ingressei, na condição de advogado da categoria profissional, confirmou a coerência política do Sindiquímica, modificou a política de fertilizantes da Petrobrás e selou o destino da própria entidade sindical.
O sindicato, na condição de substituto processual, postulou o cumprimento da cláusula 3ª, do acordo coletivo de trabalho, que afirmava a obrigação patronal de reajustar os salários de todos os empregados nos termos, critérios e índices oficiais previstos na Lei nº 7.788, de 3 de julho de 1989, ou seja, um reajuste salarial superior a duzentos por cento (200{034af84de201776e23c5f1728e97427023d8d9019f9c1ecfabada00cce373d84}). O processo, tombado sob o nº 062900371-01, obteve decisão desfavorável exarada perante a 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Maruim.
O sindicato interpôs recurso ordinário, remetido para o TRT da 5ª Região, que, na época, tinha competência para julgar os processos originários de Sergipe. Antes do julgamento do feito pelo Regional, foi sancionada a Lei 8.233, de 11 de setembro de 1991, que criava o TRT da 20ª Região, que determinava a remessa para o órgão sediado em Sergipe dos processos ainda sem relatoria.
O processo foi remetido para Sergipe e no dia 19 de maio de 1993 julgado pelo TRT da 20ª Região, reformando, com o voto da relatora Ismênia Quadros, a decisão originária da Junta. A empresa estatal Nitrofértil não percebera a mudança do órgão julgador e, em consequência, não apresentou recurso. O Sindiquímica, assim, tinha em seu poder uma sentença judicial transitada em julgado que, segundo cálculos estimados, se aproximava de duzentos milhões de dólares (US$ 200.000.000,00).
Nesta quadra do tempo, o clima de privatização ganhava força e adeptos no Brasil. O presidente Collor renunciara no dia 29 de dezembro de 1992, mas não houve o arrefecimento do seu discurso de transferir o patrimônio público para a iniciativa privada, utilizando o artifício de marketing de combate aos marajás do serviço público. A Nitrofértil, com a sua estratégica e lucrativa atividade de fertilizantes nitrogenados, estava na mira dos privatizantes e dos seus sócios econômicos. O presidente Itamar Franco também mantinha a Nitrofértil no rol das estatais privatizáveis.
A estatal tentava, em vão, mandar um perito oficial para avaliar o valor do patrimônio a ser vendido. A categoria nunca deixou o avaliador oficial entrar na sede administrativa da empresa, fazendo barricadas nas datas das visitas e até mesmo a queima de uma viatura policial. Demissões, inquéritos judiciais para apurações de faltas graves, descontos salariais por motivo de greve, ações cautelares, inquéritos policiais e negociações com a diretoria da empresa passaram a integrar o meu cotidiano jurídico.
Até que a notícia do trânsito em julgado da ação milionária entrou na pauta da privatização da empresa. Afinal, ninguém se aventuraria a comprar uma empresa que carregasse em suas contas tão vultoso débito trabalhista e, ainda, uma categoria aguerrida. A questão da dívida estava posta nas assembleias e nas campanhas contra a privatização. Os negociadores procuravam solução para o impasse. O presidente Itamar Franco, com a intermediação do sergipano Seixas Dória – governador cassado pela ditadura – concordou em resolver a pendência nos moldes solicitados pelos trabalhadores em Assembleia Geral Extraordinária. Eis a redação do inédito, ideológico e histórico acordo judicial, assinado e protocolado em 14 de dezembro de 1993:
(…) Os empregados da Nitrofértil, em decisão soberana de sua Assembleia Geral extraordinária, convocada para este fim específico, (ata agora acostada), reconheceram a importância do presente Acordo, razão porque assinam e pedem a HOMOLOGAÇÃO do mesmo, na forma assim positivada:
(…)
3. As partes, de logo, condicionam a validade da homologação do presente ACORDO a efetiva concretização da incorporação das atividades desenvolvidas pela Nitrofértil a Petrobras, inclusive a absorção dos empregados, tornando-o nulo de pleno direito se não concretizada a condição;
Em 17 de dezembro de 1993, conforme acordo celebrado, a Nitrofértil passou a fazer parte da estrutura direta da Petrobras, com a nomenclatura Fafen. O amor dos petroquímicos ao patrimônio público e ao Brasil impediu que mais uma empresa fosse privatizada. Os trabalhadores abriram mão dos duzentos milhões de dólares estadunidenses (US$ 200.000.000,00) e eu, na mesma linha ideológica, dos honorários advocatícios de vinte milhões de dólares estadunidenses (US$ 20.000.000,00).
Para todos nós a verdadeira causa era a de combater a política neoliberal, que tanto prejudicou o desenvolvimento social do Brasil. No ano de 1999, também por coerência política, o Sindiquímica/SE se despediu da vida sindical para entrar na História como o mais vanguardista, ético e revolucionário movimento político-social de Sergipe. Integrando, com fusão, a categoria dos petroleiros, a partir de um congresso unificado, o Sindipetro AL/SE.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, seguindo o caminho privatista da Era Collorida, resolveu pôr à venda a Fafen, desmembrando-a da Petrobras. O intento foi frustrado quando os propostos foram alertados de que a quebra do acordo judicial implicaria no pagamento aos trabalhadores dos duzentos milhões de dólares estadunidenses (US$ 200.000.000.00), fixados em decisão judicial.
Apenas assim o governo federal desistiu de privatizar a empresa, embora mantivesse a Fafen no rol das atividades econômicas descartáveis. Somente quando Zé Eduardo Dutra assumiu a presidência da Petrobras é que pensávamos ter a Fafen saído da relação das unidades privatizáveis, fazendo o setor de fertilizantes integrar a atividade fim e estratégica da empresa estatal de petróleo. Descobre-se, agora, que não.
Daí porque é importante lembrar do ato heroico sergipano, especialmente quando ele mudara a política de fertilizantes no Brasil, pois a existência da Fafen estimulou a empresa a ampliar esta atividade econômica para outros Estados e países. E, embora diluídos na imensa categoria dos petroleiros alagoanos e sergipanos, aqueles heróis e heroínas continuaram fazendo história, gerindo, coletivamente, a Fafen que indiretamente compraram e entregaram ao povo brasileiro.
Eles e elas precisam, agora da nossa solidariedade e luta. Precisam que escrevamos mais um capítulo da História pela Luta da Fafen, impedindo-a de ser fechada. Apenas assim poderemos, outra vez, impedir a privatização do fertilizante nacional e a consolidação da política entreguista do governante de plantão. É preciso também fertilizar o solo da resistência!
Artigo originalmente publicado em: http://congressoemfoco.uol.com.br/
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