Esta semana reencontrei um querido amigo que comigo militava no movimento estudantil, no distante iniciar dos anos oitenta. Ele acabara de participar de um ato político em defesa do direito do ex-presidente Lula apresentar sua candidatura ao crivo popular. Lembramo-nos, naquele memorável instante ressuscitador do tempo, da nossa luta pela redemocratização do Brasil, da reconstrução do Centro Acadêmico Sílvio Romero, das disputas pela representação estudantil e dos espaços libertários e de solidariedade que frequentávamos.
Eu sempre falo que hoje sou advogado em razão do que aprendi naquelas lições que moldaram a nossa geração. Eu sou advogado, porque assim me ensinou o movimento estudantil. Como já anotei no livro “Fiz-me advogado na luta”: Nascido de uma família repleta de juristas, eu pensava em ser psicólogo. Tímido, jamais poderia me imaginar discursando ou enfrentado a injustiça com a arma da palavra.
Gostei de saber que ele permanecia com as mesmas utopias do passado e, mais do que isso, seguia firme na defesa de um mundo igualmente justo, solidariamente engajado, livre de preconceitos e comprometido com a inclusão de todos e todas, independentemente das convicções políticas, filosóficas, ideológicas e religiosas. Além de fazer da advocacia uma tribuna altiva e ativa na defesa dos excluídos, combatendo a criminalização do movimento social, ele era membro fundador e integrante de movimento de resistência batizado “Advocacia pela Democracia”.
Disse-me ele, em brilhante resumo justificador de sua resistência, que ela “tem a força das águas do grande rio que arrasta os entulhos e garranchos disformes das mentes e dos corações das pessoas, para que se percam ou se achem na imensidão do oceano da humildade”.
Ele é um desses que ainda teimam em lutar e, rompendo a sólida barreira do silêncio, enfrentam a cruel realidade do hoje. E não está sozinho nesta luta diária. Encontro-os nos vários cantos e recantos em que a minha vida andarilha me leva. Eles nos lembram, que resistir ao autoritarismo, ainda quando o poder do governante se mostra gigantesco, é a melhor opção quando se luta por um ideal, quando se defende uma nação ou quando se deseja um sistema jurídico que preserva os direitos fundamentais da pessoa humana. Lembram-nos, também, que devemos ser os soldados das nossas próprias lutas, buscando em nós mesmos a coragem necessária para a ousadia de vencer. E não desistem diante do poderio demonstrado pelo Estado, mesmo quando vencidos em decisões judiciais injustas, politizadas ou reprodutoras do pensamento elitista e patrimonialista que marca a História do Brasil.
Talvez eles participem de uma batalha semelhante aquela contada pelo célebre historiador Herótodo (484-425 a.C.), quando a Grécia foi invadida pelo poderoso exército do ditador-rei Xerxes I (486-465 a.C.), até então comandante da maior e mais equipada máquina de guerra já vista na terra. É que foi o diminuto exército de trezentos hoplitas, liderado por Leônidas I (490-480 a.C.), o rei de Esparta, quem resistiu por quatro dias em Termópilas, causando tantos danos ao exército persa que não se poderia afirmar que fora vitorioso.
Realmente era difícil imaginar que aproximadamente oito mil gregos e espartanos pudessem opor qualquer resistência a um exército integrado por mais de trezentos mil soldados. Somente o batalhão conhecido como os “Imortais”, com seus dez mil soldados considerados de elite e invencíveis, era bastante superior à tropa integrada pelo valente Dienekes. Esta inesperada resistência motivou as demais cidadãs gregas, fazendo-as acreditar que era realmente possível sonhar com a vitória.
Motivadas pelo exemplo de resistência, nenhuma das cidades gregas se rendeu. Mesmo quando Atenas caiu devastada pelas poderosas tropas invasoras, continuaram os gregos acreditando que a vitória ainda era possível. Tão possível que o humilhado e cruel Xerxes foi posteriormente derrotado na Batalha de Salamina, abandonando definitivamente o seu desejo de conquistar a Grécia, caindo em seguida assassinado nas mãos de seus aliados.
Ainda hoje, quando uma batalha parece impossível de ser vencida, lembramo-nos da importância da coragem, da perseverança e da resistência dos heróis de Termópilas. Lembrança que agora exalto para os que fazem o combate de hoje ser urgente e necessário, pois eles sabem que o “Brasil do Amanhã” depende do que fizermos no “Brasil do Hoje”.
A todos eles dedico este artigo, pois, diariamente, resolvem o dilema que a vida nos cobra a cada momento, e são estes anônimos heróis que nos dizem o tempo todo: Ou aceitamos a vitória do Xérxes brasileiro, silenciando-nos; ou resistiremos, ainda que a conquista pareça ser impossível. E, para eles, deixo a histórica mensagem do rei espartano Leônidas I ao ser avisado por Dienekes de que as flechas dos arqueiros do rei persa, se lançadas de uma vez cobririam o sol: Melhor, combateremos à sombra.
Cezar Britto é advogado e escritor, autor de livros jurídicos, romances e crônicas. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e da União dos Advogados da Língua Portuguesa. É membro vitalício do Conselho Federal da OAB e da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.
Artigo originalmente publicado em: http://congressoemfoco.uol.com.br/
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